O ser humano é um ser racional. Ao menos é o que costumamos repetir orgulhosamente nas comparações com os animais. Mas será que nós realmente temos essa racionalidade tão controlada quanto imaginamos? Ao olharmos para o viés cognitivo, essa talvez seja justamente uma das nossas falhas.
Não estou dizendo que a racionalidade inexista, mas sim que ela nem sempre é dominada como gostaríamos. A verdade é que a mentalidade humana é extremamente complexa e que, por vezes, toma decisões na base de intuição — o que pode ser bom ou ruim, dependendo do cenário.
Por isso, caso você sinta que não esteja colhendo bons frutos das suas escolhas, talvez a razão seja justamente o viés cognitivo.
O que é viés cognitivo?
Um ser humano toma muitas decisões todos os dias. Claro, nem todas elas são determinantes para o futuro como uma mudança de emprego ou terminar um relacionamento. No entanto, ainda que simples e discretas, elas estão aí. Vejamos alguns exemplos:
- Acordar agora ou dormir mais cinco minutinhos?
- Comer uma banana ou fazer um sanduíche no café da manhã?
- Vou à academia ou fico em casa para ver um filme nessa sexta-feira?
Nem sempre (para não dizer raramente) avaliamos de verdade as consequências de cada uma delas. Nessas horas, nosso cérebro costuma recorrer aos atalhos mentais que não são necessariamente ruins, mas podem sabotar nossas escolhas.
Ou seja, se você tem a ideia de que todas as suas decisões são feitas a partir de um estudo racional das consequências, talvez esteja se enganando. Os atalhos mentais são criados em cima de experiências e evidências, fugindo do que se imagina como pensamento racional.
Como realmente funciona a mente humana?
Tentar entender a mente humana é um desafio realmente complexo. E, afinal, o próprio cotidiano nos traz diversos motivos para lembrar disso. Quem nunca foi um pouco mais duro com alguém e funcionou, mas simplesmente não encontrou o mesmo efeito quando repetiu o ato com outra pessoa, não é mesmo? Cada indivíduo reage de uma maneira diferente a cada situação.
O que sabemos, de acordo com os estudos de Daniel Kahneman, é que a mente humana pensa basicamente de duas formas:
- Sistema de pensar rápido: seria a maneira mais veloz de decidir, tomando em conta muito mais a intuição do que a situação enfrentada.
- Sistema de pensar lento: seria o método de avaliar de fato as alternativas, ponderando prós e contras. É o que chamamos de pensamento racional no dia-a-dia.
Nossa ideia inicial costuma ser de que pensamos com o segundo modelo, mas ele raramente aparece. De maneira geral, somos levados pelo modelo do pensamento rápido. E é aqui que entram os atalhos mentais por meio do viés cognitivo, já que vamos buscar fatores que confirmem nossas expectativas de curto prazo.
O viés cognitivo é ruim?
Outra característica típica do ser humano é buscar a dicotomia, isto é, a divisão de algo em duas partes como bom/ruim, claro/escuro e céu/inferno. Temos mais facilidade em lidar com as coisas simplificando-as do que entendendo a sua complexidade.
Não há como dizer que o viés cognitivo é simplesmente bom ou mau para nossas decisões. Ao mesmo tempo, não quer dizer que não mereçam atenção.
Por um lado, eles ajudam a dar velocidade decisória e economizar recursos mentais. Como alguns costumam brincar, “pensar dói” e dá muito trabalho. Conseguir ter um fluxo veloz de raciocínio nos ajuda a escolher rapidamente em decisões simples — como vimos no começo deste artigo.
Por outro lado, é preciso estar atento ao modelo de pensar nas avaliações, pois um viés cognitivo pode nos levar a uma decisão errada. E esse é, afinal, o grande perigo: eles se escondem na racionalidade. Sem perceber, nossas decisões podem conter vícios dos atalhos mentais.
7 vieses cognitivos que podem atrapalhar a sua tomada de decisão
Por mais que saibamos da existência dos vieses cognitivos, é praticamente impossível eliminá-los da nossa tomada de decisão. O que conseguimos é lidar com eles, pois conhecendo esses atalhos mentais entendemos nossas próprias escolhas — o que é fundamental para evitar que influenciam tanto nossas escolhas.
Para que você entenda de vez por todas esse impacto, vamos listar alguns dos principais vieses cognitivos existentes e já identificados. Para ajudar nessa missão, tentaremos abordá-los de maneira prática, dando exemplos reais de situações em que podem aparecer na vida de um freelancer. Essa é, afinal, a melhor maneira para tomar decisões melhores daqui em diante, com menor impacto possível dos atalhos mentais.
1. Viés de confirmação
Um dos mais conhecidos e populares é o Viés de Confirmação. Aqui, a nossa mente busca fatores e informações que confirmem algo que nosso inconsciente já escolheu, sem efetivamente considerar tudo que envolve aquela decisão em si.
É uma característica bem comum nas redes sociais, onde vemos cada vez mais pessoas evitando contato com quem pensa diferente. O sentimento de concordância é mais confortável. Portanto, o viés de confirmação faz com quem busquemos fatores que reforcem (e não questionem) os nossos ideais.
Suponha que você tenha que decidir entre estudar para uma prova ou tirar uma soneca. Racionalmente, o primeiro é mais importante. No entanto, o cérebro pode trazer informações como “essa matéria eu já domino” ou “da última vez não estudei e tive uma boa nota”. Essas são formas de confirmar o que queremos, mesmo sem perceber.
Como o Viés de Confirmação pode atrapalhar o freelancer?
O maior problema dos Viés de Confirmação é a sabotagem. Com ele, fazemos escolhas que não condizem com o que é melhor — ao menos pensando no longo prazo. A nossa vontade momentânea acaba prevalecendo.
No trabalha autônomo, ele pode surgir procurando por formas de reforçar um pensamento inicial. No entanto, isso pode afastar você dos seus objetivos profissionais em troca de conforto (outro ponto que o cérebro costuma buscar, já que romper com rotinas é sempre desafiador).
Neste aspecto, cuide-se para questionamentos duplos a cada decisão tomada. Será que a sua escolha é efetivamente a melhor ou existe um atalho mental inclinando uma decisão? Uma boa dica é sempre colocar em um papel com prós e contras as opções, forçando uma análise dos fatores envolvidos.
2. Efeito Manada
Outro viés cognitivo bem conhecido é o efeito manada que, como talvez você já possa concluir, refere-se à característica humana de seguir a maioria. Isso acontece muito quando queremos pertencer a um grupo ou não queremos ir contra a maré e deixar de aproveitar os benefícios de segui-la.
Assim, mesmo contra as próprias convicções, tem quem opte por acompanhar outras pessoas. E, o que é pior, seguir os outros nem sempre vai te levar para o destino certo. Também não significa que você precise se opor ao pensamento dos grandes grupos, mas que é recomendável afastar-se para não ser tão influenciado na hora de decidir.
Como o efeito manada pode atrapalhar o freelancer?
O próprio trabalho freelancer é afetado pelo efeito manada, mas de maneira negativa. Como a enorme maioria da população brasileira defende um modelo padrão de trabalho, quem opta por um caminho diferente acaba sofrendo certo preconceito.
Geralmente, o efeito manada surge na vida de um freelancer enquanto ele ainda não se consolidou em um modelo de trabalhe que exige autonomia e responsabilidade. É mais “fácil” jogar tudo nas costas de um chefe ou de uma empresa do que assumir que os seus resultados dependem de si.
No entanto, após romper com algumas barreiras e sair de um caminho comum, é mais tranquilo lidar com pensamentos diferentes. O ideal aqui está em tomar cuidado para não agir de acordo com o que os outros fazem, mas sim pelas nossas próprias convicções.
Ao mesmo tempo, atente-se para não ficar arrogante, afinal todos nós erramos e nem sempre ir contra a maré é bom. De qualquer forma, é melhor errar fazendo o que você acha que é certo do que seguindo ideias dos outros (e depois se arrepender por não ter ido pelo seu instinto).
3. Viés da Sobrevivência
O Viés da Sobrevivência traz a abordagem da mentalidade humana de supervalorizar os acertos dos vencedores e ignorar os erros dos perdedores. E esse é um dos mais perigosos, por dois fatores:
- Faz com que tudo pareça mais fácil do que realmente é;
- Traz uma pressão para os nossos resultados acima do ideal.
Imagine, por exemplo, que você reencontre um amigo de infância e ele esteja muito bem financeiramente após abrir uma empresa que prosperou. A nossa cabeça tende a dar uma ênfase gigantesca no sucesso desse amigo, ignorando que a sala tinha outras 20 ou 25 crianças e que não fazemos ideia de quantas delas fracassaram nessa mesma tentativa.
Assim, a tendência de replicar o que alguém que obteve sucesso fez acaba superando a observação dos atos de quem errou. E o problema disso é que, em muitas vezes, o caminho do “sucesso” (algo que, particularmente, considero completamente relativo) apresenta trilhas bem diferentes para cada um.
Como o Viés da Sobrevivência pode atrapalhar o freelancer?
Temos diversos exemplos de empreendedores que “arriscaram tudo” e conquistaram resultados absurdos. Mas, na prática, quantas vezes “arriscar tudo” acaba em sucesso? Tão poucas que esses exemplos acabam ganhando uma enorme notoriedade. Portanto, nada de querer copiar essas jogadas de risco.
Você ainda está começando como freelancer e quer largar tudo? O Viés da Sobrevivência pode aparecer tentando induzir a tomar ações arriscadas baseadas em outras pessoas, sem fazer um devido planejamento. Sempre reforçamos, nesse exemplo específico, sobre a importância do colchão financeiro antes de largar um emprego.
Aprender com boas práticas de quem obteve resultados positivos não é ruim. O que não se deve é supervalorizar esses feitos, cegando a tomada de decisão para eventuais erros desse processo.
4. Viés cognitivo da Aversão à Perda
Agora vamos falar sobre o aspecto financeiro: o cérebro humano tem uma forte tendência a preferir não perder do que correr o risco para ganhar quando o assunto é dinheiro. É um viés cognitivo válido especialmente nas decisões sobre economia.
Suponha que você consiga juntar dez mil reais na sua conta bancária em um ano e, depois de seis meses, gaste esse dinheiro. A sua sensação após a redução não é de voltar ao mesmo lugar, mas como se estivesse em uma situação pior financeiramente. Esse sentimento negativo não apareceria caso nesse período de dezoito meses você tivesse ganho nem perdido dinheiro, tendo o mesmo resultado final.
Como a Aversão à Perda pode atrapalhar o freelancer?
No geral, esse é um viés cognitivo que atrapalha mais no mercado financeiro, especialmente os investidores. No entanto, temos sim uma relação interessante com o trabalho freelancer na medida em que trave uma decisão que pode vir a trazer um bom retorno, mas cujo resultado ainda é incerto.
Podemos até fazer um paralelo de alguém que precisa trocar a carteira assinada pela incerteza do trabalho autônomo. Pode ser difícil ter essa escolha quando existe o risco de ganhar menos no curto prazo, mesmo que exista um potencial positivo olhando para o longo prazo. A dica para lidar com isso? Foque no processo, não apenas no resultado.
5. Viés da Ancoragem
Mais um viés cognitivo bastante conhecido, o Viés da Ancoragem traz a abordagem do peso que a mente humana concede à primeira informação recebida, tratando-a como um padrão.
Aqui cabe mais um exemplo financeiro. Imagine que você esteja negociando o preço para participar de um projeto e o seu cliente diga que o orçamento é de R$250. Esse valor vai acabar influenciando a sua precificação em função do Viés de Ancoragem: a primeira informação foi o orçamento e, portanto, você passa a analisar valores a partir dele.
Como o Viés de Ancoragem pode atrapalhar o freelancer?
Esse exemplo diz muito sobre o perigo de negociar com a presença do Viés de Ancoragem. Suponha que, para esse mesmo serviço fictício, o seu preço cobrado seja de R$500.
O orçamento sugerido pelo cliente é, nessa hipótese, 50% inferior ao que você considera como justo. Mesmo assim, é provável que a negociação seja fechada por valores inferiores ao seu preço. E não se trata apenas de oferecer um desconto, mas da influência desse viés cognitivo.
E essa situação não vale apenas para finanças. Qualquer tipo de informação recebida acaba afetando nossa decisão final se não cuidarmos do Viés de Ancoragem.
6. Viés do Status Quo
Já abordamos esse viés cognitivo quando mencionamos brevemente a zona de conforto. Essa é uma situação bem recorrente na vida pessoal. Ela se refere à tendência de não fazermos nada para mudar um pensamento ou ação previamente planejada — mesmo que tudo aponte para essa necessidade.
“Deixa a vida me levar, vida leva eu“, música do cantor Zeca Pagodinho, reflete bem o que o Viés de Status Quo representa para o nosso cotidiano. Essa situação reforça o que vimos na questão de Aversão à Perda. Preferimos manter um cenário do que buscar algo melhor quando existe o risco de piorá-lo.
Como o Viés do Status Quo pode atrapalhar o freelancer?
Esse viés cognitivo é fortemente presente na sociedade contemporânea, valendo não apenas para quem é freelancer. Existe uma tentativa frequente de tentar manter uma zona de conforto e comodidade em situações que exigem um novo passo que traga consigo algum grau de incerteza.
O problema dele é que, por vezes, pode-se confundir com a procrastinação. Você vai adiando uma decisão até o ponto em que ela se torna muito mais crítica do que deveria ser se tivesse recebido atenção anteriormente. Cuidado para não cair nesse erro, pois algumas ações são importantes mesmo contra a nossa vontade.
7. Viés cognitivo do Excesso de Confiança
Por fim, não podemos ignorar o Excesso de Confiança que, conforme o próprio nome já indica, trata-se da nossa própria supervalorização. Isso pode acontecer quando você se considera muito acima da média e capaz de lidar com qualquer desafio, sem efetivamente ponderar as habilidades necessárias.
Ter confiança é algo bom. Você pode e deve confiar em si, mas o excesso dela já não é positivo. Traz um otimismo exagerado de que as coisas sempre acabarão bem e, como sabemos, nem sempre é o que acontece na vida.
Como o Excesso de Confiança pode atrapalhar um freelancer?
Geralmente, a especialização traz esse problema. Por trabalhar sempre com o mesmo tema, pode ser que crie psicologicamente uma mentalidade de estar muito acima dos seus concorrentes ou mesmo dos desafios de um projeto. E aí é que mora o perigo.
Para evitar essa situação, trabalhe sempre com humildade e respeitando opiniões alheias sobre as suas participações. Outra cautela recomendável é não achar que sabe tudo sobre a sua área de atuação. Hoje em dia tudo se renova com grande velocidade e as mudanças são constantes.
Qual é o impacto do viés cognitivo para um freelancer?
Como vimos, o principal aspecto que preocupa sobre viés cognitivo é o erro na tomada de decisão. Pare para pensar na sua vida. Quantas escolhas, afinal, não foram tomadas pela influência dos atalhos mentais enquanto você imaginava estar sendo absolutamente racional?
Acredite: essa situação aparece e se repete com enorme frequência em nosso cotidiano. Isso porque escolhemos muitas vezes aquilo que nos é conveniente, buscando fatores que confirmem essa ideia inicial. E, o que é pior, raramente percebemos que isso está acontecendo.
Seria inviável abordar todos os vieses cognitivos nesse único artigo. Além dos sete que listamos, você poderá encontrar uma infinidade deles pesquisando na internet. O importante então é entender como eles funcionam e, principalmente, a forma com que podem afetar a nossa tomada de decisão.
A partir desse momento, portanto, você já tem condições de identificar quando está agindo por impulso ou tomando uma decisão realmente racional. Os efeitos das nossas decisões nem sempre estão no nosso controle, mas podemos minimizar os riscos delas.
Deixar um comentário